segunda-feira, 26 de abril de 2021

O som dos meus pensamentos

Plim. Plim. Plim. Plim. Plim. Plim. Plim...

Toc. Toc. Toc. Toc. Toc. Toc. Toc...

Bum. Bum. Bum. Bum. Bum. Bum. Bum...

Pééém. Pééém. Pééém. Pééém. Pééém. Pééém. Pééém...


É o ritmo das palavras atravessando os meus pensamentos. Demônios em minh'alma, marimbondos em minha cabeça. Incialmente, elas são sutis, inaudíveis como gotas de água caindo sobre a louça suja dentro da pia. Depois, se apresentam como o ritmo de sapatos femininos andado resolutos e apressados nos corredores do Fórum. Em seguida, me são como um bumbo ou um tambor de guerra, marcando a marcha de um enorme Exército. Por fim, elas tomam a forma de uma buzina... Melhor. De uma multidão de buzinas atormentando os meus ouvidos e engarrafando os meus pensamentos.

É assim que me vêm as palavras.  Eu não as escrevo. Elas é que brotam por si mesmas, valendo-se da minha lapiseira. Elas nascem como uma planta daninha que se projeta ao céu, apesar do obstáculo do asfalto. Se expandem como uma trinca que arruína, aos poucos, a integridade de uma parede. Elas simplesmente vêm. São como um rio. Não. São como uma enxurrada, uma tromba d'água. 

Eu, autora, levada pela força dessas águas, entre afogada e ofegante, apenas escrevo. 

Princípio elementar de ética n.01. Bondade e justiça como busca subjetiva permanente

Ninguém está garantido, ab initio, como bom ou justo. Bondade e justiça, tal como higiene pessoal ou organização do lar, são conquistas que exigem engajamento permanente. Em outras palavras, você só é um "cidadão de bem" enquanto agir como tal.

Ou seja: você, que zomba pela internet do fuzilamento de pessoas no Rio de Janeiro, conspurca a sua alva túnica de "cidadão de bem".

Princípio elementar de ética n.02. Pessoas são recursos valiosos

A inteligência e a sensibilidade de que nós, seres humanos, somos dotados são capazes de maravilhas. Não são maravilhosos os feitos de um Pasteur, de um Beethoven, de um Oswaldo Cruz, de um Alexander von Humboldt, de um Michelângelo? Pessoas são recursos valiosos.

Obs.: Isso também vale para os seus desafetos e para as pessoas de quem você discorda.

Princípio elementar de ética n. 03. A sociedade política e o sujeito

Uma sociedade civil e/ou política que trata seus cidadãos como itens descartáveis é um agrupamento humano sem propósito. Uma horda.

Princípio elementar de ética n. 04. Crime, misericórdia e castigo

Como os infratores devem ser tratados pela sociedade civil/política? Afinal, "bandido bom é bandido morto?".

Na Cabala, a Justiça divina é representada por duas esferas (sephirot) da Árvore da Vida, quais sejam, Geburah e Chesed. Geburah é a punição, o castigo, a vingança de Deus; Chesed, a misericórdia, o perdão, o acolhimento. O justo está no meio dessas duas sephirot, que devem ser equilibradas.

Um exercício de empatia ajuda a entender como esse equilíbrio deve ser atingido... Imagine que um filho seu é vítima de um crime horrível. Qual o tratamento você gostaria que o Estado dispensasse ao criminoso?

Agora imagine que o seu filho não foi a vítima, mas o agressor, o autor desse mesmo crime. Qual tratamento você gostaria que ele recebesse do Estado?

Pois bem. As leis penais e processuais penais, ao mesmo tempo, têm que inspirar legitimidade aos pais das vítimas, que anseiam pelo castigo (Geburah) e aos pais dos criminosos, que anseiam pela misericórdia (Chesed).

Caso contrário, essas mesmas leis serão sabotadas pela vingança privada ou por conspirações para que culpados se safem dos castigos.

Princípio elementar de ética n. 05. Crime e perdão

Há vários anos venho percebendo que as igrejas, especialmente as neopentecostais (talvez para arrebanhar fiéis e contribuições financeiras) têm promovido uma verdadeira banalização do perdão.

A frase "Deus me perdoou" se tornou uma muleta para pessoas que cometeram toda sorte de crimes e de violências: estupros, homicídios, sequestros, latrocínios... Faz sentido. Afinal, se mesmo tendo matado um semelhante, "Deus me perdoou" e se "fui purificado pelo batismo", quem é você para me cobrar reparação?

A coisa ficou tão distorcida que umas e outras ovelhas do rebanho neopentecostal se sentem estimuladas a "chutar o balde". Como já estão em pecado e como o perdão divino é certo, pecam mais um pouquinho entre uma absolvição e outra. Esse mecanismo (i)moral autoriza a existência -- a priori, incompatível -- de tantos traficantes, milicianos e corruptos "evangélicos".

Em um sistema ético sério (e as religiões salvacionistas se proclamam sistemas éticos sérios), a obtenção do perdão está associada não somente ao (SINCERO) arrependimento do infrator. Ela também está associada à aceitação da punição, ao compromisso de não reincidir nos crimes e a esforços, da parte do infrator, para reparar os danos que cometeu: à vítima, à família da vítima e/ou à comunidade, em geral.

Sem isso, "conversão" é máscara. Refúgio para psicopatas. Fica a dica.

Surya

Dachshund fêmea, também conhecida como Salsichinha ou Cofap. Arlequim, pêlo curto. Eu a nomeei Surya, mas só a chamava de Pulga, Pulguinha, Puk ou Pukitita. Nascida em outubro de 2018, ainda ia completar 2 aninhos.

Um presente de Deus. Era minha sombra. Me acompanhava por todo lugar: se não fisicamente, com os olhos. Adorava uma rua. Saía de carro feliz da vida. Era só abrir a porta e esperar 5 segundos. Lá estava ela, no banco do passageiro, me encarando como quem pergunta: "para onde vamos?".

Orelhas ao vento? Não era muito fã. Gostava de sentir pouco ventinho no focinho e de observar a paisagem. E, de observar, já conhecia o caminho de alguns lugares: o da chácara, o da minha ex-casa, no SMPW 25 e a casa do vô, no Lago Norte... Ficava elétrica quando percebia que estávamos chegando a qualquer um desses locais.

Libriana, Surya era um bichinho sociável. Fazia festinha para todo mundo: Veridiana, Paulo Facundo, para a tia Giovanna, para o bisavô Teresio, para o Vovô Luís. Fugia dos meus sobrinhos Laura e Lucca, que, crianças, ainda são meio "Felícias" com os bichinhos. Amava ficar abraçada na minha saudosa mamãe, recebendo e dando beijinhos... Quando eu ia visitar mamãe em sua convalescença, antes de me dizer "oi" ela me perguntava da Pulga: "trouxe a pequena?".

Disse que me acompanhava para todo lugar? Deitava comigo na cama, no sofá, pedia colo enquanto eu trabalhava no computador e, como um gato, passeava sobre o teclado. Ela me ajudou a concluir a tese de doutorado: eu precisava ser objetiva no trabalho para poder ter tempo de lhe dar a atenção demandada.

Nunca era suficiente. Por mais carinho que recebesse, o olhar da Surya era sempre de cachorro carente. Ou faminto. Ela comia muito e, claro, amava os nossos sanduíches, tapiocas, batatinhas. Certa vez eu lhe comprei um Mac Lanche Feliz. A bichinha devorou tudo. No final, estava quase pedindo para tomar a coca-cola no canudinho...

Sentia muito frio, especialmente de noite. No fim do dia, sempre vinha se aninhar no meu colo ou corria para debaixo das cobertas, no meu quarto. Quando eu ia dormir, ela me seguia para a cama. Se enfiava debaixo do edredom, como se estivesse cavando um túnel e se enrolava do lado das minhas canelas.

Quando bebê, perturbava para sair do quarto de manhã cedinho. Com o tempo, habituou-se aos meus horários e ficava na cama comigo até a hora de eu acordar.

A vida dela foi ceifada no último dia 07.07.2020 -- a exatos 13 anos do óbito de minha avó -- em um desses acidentes incompreensíveis, um desses eventos tolos com os quais não nos conformamos.

Nós a enterramos no quintal da chácara situada na Rota do Cavalo, em Sobradinho-DF, debaixo de um pequeno pé de jamelão que veio da nossa ex-casa, no SMPW 25. Ela vivia atrás de lagartixas nas redondezas dessa mudinha...

Perdê-la doeu muito e ainda está doendo. Não é só saudade. Ela era muito nova, saudável, ativa. Fica também fica a sensação de vida desperdiçada, de momentos felizes -- ainda não concretizados -- que prematuramente se perderam, uma sensação de alegria abortada.

Vai, Pulguinha, vai brincar no Orum.

Lições da Covid-19 ao teimoso povo brasileiro

Lições que aprendemos nos anos de 2020 e 2021, em função da pandemia de Covid-19:

01. A Covid-19 é real. Não é uma historinha comunista para destruir as democracias ocidentais.

02. A Covid-19 não é uma "gripezinha". É uma doença grave, com sequelas pouco conhecidas. Já ouvimos falar em problemas respiratórios e circulatórios persistentes, em dores no corpo sem causa conhecida, em perda de paladar e olfato, em dificuldades motoras, em queda de cabelo...

03. Idosos e jovens, atletas e gordinhos, homens e mulheres estão suscetíveis à Covid-19.

04. Evitar aglomeração, usar máscara e higienizar as mãos frequentemente podem, sim, atrasar o contágio e evitar tragédias humanitárias como a de Manaus. Essas mesmas medidas dificultam a mutação do vírus e a disseminação de novas cepas, potencialmente mais agressivas.

05. Pessoas que já tiveram Covid-19 podem contraí-la novamente. Ou seja, é bom que sejam vacinadas, também.

06. Temos que nos comportar como adultos. Fingir que a pandemia não existe ou "focar em pensamentos felizes" não faz com que a doença desapareça.

07. O combate a uma doença que aflige toda a população brasileira demanda ARTICULAÇÃO e ESTRATÉGIA do governo federal, por meio do Ministério da Saúde, até para possibilitar a equitativa distribuição de insumos e equipamentos.

08. A INÉRCIA dos órgãos centrais provoca verdadeiro "salve-se quem puder" entre autoridades estaduais e municipais.

09. Cloroquina, invermectina e azitromicina não impedem o contágio pelo coronavírus. Assim fosse, negacionistas notórios teriam escapado da Covid e não morrido com ela.

10. Pessoas observam os exemplos de suas lideranças políticas. Por isso, é tão importante que os líderes se comportem adequadamente. Também por isso é trágico que as lideranças brasileiras tenham dado péssimos exemplos, estimulando uma espécie de transe suicida-homicida coletivo.

Viagem a região aurífera - Parte 01

Queria compartilhar com vocês algumas coisas que aprendi e experimentei na minha última viagem.

Em janeiro, viajei com papai para Ouro Preto e Tiradentes. Fomos de carro. De Brasília, são uns 800 km... "Pertinho", para quem cresceu acostumada a percorrer pelo menos 1100 km, todo ano, em busca de uma praia.

Havia muitos anos que eu não visitava a região aurífera mineira. Lembro de ter estado por lá em apenas duas ocasiões antes dessa última viagem e quando ainda era criança.

E me lembro dessas primeiras visitas porque as cidades anciãs me causaram fortíssimas impressões. Ouro Preto, em especial. Na época, marcaram-me as impensáveis ladeiras da barroca Vila Rica, os muitos altares banhados em ouro e as belas esculturas sacras espalhadas por todos os cantos.

Mas o que mais me impressionou, nessas primeiras visitas ao nosso passado, foi a evidente "presença ausente" dos seus protagonistas. Casarões, igrejas e praças me pareciam habitados por almas de escravos e de feitores, de religiosos e de mendigos, de prostitutas e de ricas senhoras. Todos -- alguns ainda bastante sofridos -- perambulavam por lá. O vento me contava do barulho de correntes, do estalar dos chicotes, da lida nas minas, das velhas chaves enferrujadas, abrindo, com longos rangidos, igualmente velhas fechaduras...

Aliás, nas noites que dormimos lá, tive muitos pesadelos, talvez sugestionada pelo visual do casarão tricentenário onde funcionava o hotel em que nós nos hospedamos. Por todos esses motivos, posso dizer que minha memória de Ouro Preto fosse um bocado sinistra.

Assim, quando papai me convidou para essa viagem, eu me preparei psicologicamente para uma experiência espiritualmente punk, do tipo "ok, vamos lá fazer um sacodimento nas pirâmides do Egito". Pensando nisso, levei fios de conta, galhos de arruda e contra-eguns.

Energeticamente falando, contudo, me surpreendi muito com o que encontrei lá. Positivamente. Apesar das correntes, das argolas, dos porões, das senzalas e de tudo o mais, o local não me trouxe mais aquela sensação de calabouço ao ar livre. Muito pelo contrário. Dessa vez (seja por causa dos contra-eguns, dos fios de conta, da arruda ou, mais provavelmente, dos processos iniciáticos por que passei), a cidade me pareceu sorridente e leve.

E depois que ela sorriu para mim, comecei a me sentir instigada por Ouro Preto e por sua história, para além do que se aprende nos bancos escolares.

Ficamos hospedados em um hotel ao lado da Igreja Nossa Senhora das Mercês. Ocorre que, por causa de uma confusão provocada pelo Booking (o site errou o endereço da nossa pousada), descobri que, em Ouro Preto, não há uma, mas duas igrejas com o nome de N.Sra das Mercês: uma Igreja Nossa Senhora das Mercês e Perdões e uma Igreja Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia.

Isso me despertou uma dúvida. Hoje, como todos vocês sabem, sou da religião dos Orixás. Contudo, já fui católica e sei que fazer duas paróquias dirigidas pela mesma ordem religiosa a poucas ruas de distância não é propriamente uma ortodoxia romana. Aquelas duas igrejas de mercedários simplesmente não faziam sentido!

Fiquei intrigada e, então, fui pesquisar acerca das igrejas de Ouro Preto. Afinal, por que tantas igrejas? E por que igrejas da mesma ordem religiosa no mesmo local? E por que dos mercedários, essa ordem religiosa nascida durante as Cruzadas (e a respeito da qual aprendi alguma coisa porque recebi a Primeira Eucaristia e a Crisma em uma Igreja de N. Sra. das Mercês, na 615 Sul, em Brasília-DF)?

Daí veio a resposta (Deus abençoe a Internet e as revistas científicas on line). As igrejas de Ouro Preto não foram edificadas por Roma ou, tampouco, pelas ordens religiosas católicas de padres ou de freiras. Elas foram erigidas, ornamentadas e animadas pelas comunidades locais, recebendo o nome de Ordens Terceiras ou Ordens Leigas.

Consta que, durante o Ciclo do Ouro, Portugal proibiu a vinda de ordens religiosas para a região aurífera e expulsou, das Minas Gerais, aquelas que lá estavam. Não queria desvio de Ouro ou diamantes via dízimos.

Isso incentivou que as comunidades locais se organizassem em agremiações fechadas, tais como as maçonarias. Por sua vez, esses grupos juntavam recursos privados para edificar e ornamentar as suas próprias igrejas, bem como para promover eventos anuais em homenagem aos seus respectivos padroeiros.

Aqueles que contribuíssem mais, por exemplo, adquiram a honra de ocupar túmulos dentro dos templos religiosos depois de mortos. Também podiam ocupar camarotes em missas e em festividades religiosas anuais. Tratava-se, pois, de um símbolo de status.

Como a sociedade colonial era fortemente hierarquizada, o povo "não se misturava". Os comerciantes, os artifícies, os escravos alforriados, cada grupo constituía a sua própria congregação. Como resultado, cada estamento construía o seu próprio templo religioso.

Continua.