Queria compartilhar com vocês algumas coisas que aprendi e experimentei na minha última viagem.
Em janeiro, viajei com papai para Ouro Preto e Tiradentes. Fomos de carro. De Brasília, são uns 800 km... "Pertinho", para quem cresceu acostumada a percorrer pelo menos 1100 km, todo ano, em busca de uma praia.
Havia muitos anos que eu não visitava a região aurífera mineira. Lembro de ter estado por lá em apenas duas ocasiões antes dessa última viagem e quando ainda era criança.
E me lembro dessas primeiras visitas porque as cidades anciãs me causaram fortíssimas impressões. Ouro Preto, em especial. Na época, marcaram-me as impensáveis ladeiras da barroca Vila Rica, os muitos altares banhados em ouro e as belas esculturas sacras espalhadas por todos os cantos.
Mas o que mais me impressionou, nessas primeiras visitas ao nosso passado, foi a evidente "presença ausente" dos seus protagonistas. Casarões, igrejas e praças me pareciam habitados por almas de escravos e de feitores, de religiosos e de mendigos, de prostitutas e de ricas senhoras. Todos -- alguns ainda bastante sofridos -- perambulavam por lá. O vento me contava do barulho de correntes, do estalar dos chicotes, da lida nas minas, das velhas chaves enferrujadas, abrindo, com longos rangidos, igualmente velhas fechaduras...
Aliás, nas noites que dormimos lá, tive muitos pesadelos, talvez sugestionada pelo visual do casarão tricentenário onde funcionava o hotel em que nós nos hospedamos. Por todos esses motivos, posso dizer que minha memória de Ouro Preto fosse um bocado sinistra.
Assim, quando papai me convidou para essa viagem, eu me preparei psicologicamente para uma experiência espiritualmente punk, do tipo "ok, vamos lá fazer um sacodimento nas pirâmides do Egito". Pensando nisso, levei fios de conta, galhos de arruda e contra-eguns.
Energeticamente falando, contudo, me surpreendi muito com o que encontrei lá. Positivamente. Apesar das correntes, das argolas, dos porões, das senzalas e de tudo o mais, o local não me trouxe mais aquela sensação de calabouço ao ar livre. Muito pelo contrário. Dessa vez (seja por causa dos contra-eguns, dos fios de conta, da arruda ou, mais provavelmente, dos processos iniciáticos por que passei), a cidade me pareceu sorridente e leve.
E depois que ela sorriu para mim, comecei a me sentir instigada por Ouro Preto e por sua história, para além do que se aprende nos bancos escolares.
Ficamos hospedados em um hotel ao lado da Igreja Nossa Senhora das Mercês. Ocorre que, por causa de uma confusão provocada pelo Booking (o site errou o endereço da nossa pousada), descobri que, em Ouro Preto, não há uma, mas duas igrejas com o nome de N.Sra das Mercês: uma Igreja Nossa Senhora das Mercês e Perdões e uma Igreja Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia.
Isso me despertou uma dúvida. Hoje, como todos vocês sabem, sou da religião dos Orixás. Contudo, já fui católica e sei que fazer duas paróquias dirigidas pela mesma ordem religiosa a poucas ruas de distância não é propriamente uma ortodoxia romana. Aquelas duas igrejas de mercedários simplesmente não faziam sentido!
Fiquei intrigada e, então, fui pesquisar acerca das igrejas de Ouro Preto. Afinal, por que tantas igrejas? E por que igrejas da mesma ordem religiosa no mesmo local? E por que dos mercedários, essa ordem religiosa nascida durante as Cruzadas (e a respeito da qual aprendi alguma coisa porque recebi a Primeira Eucaristia e a Crisma em uma Igreja de N. Sra. das Mercês, na 615 Sul, em Brasília-DF)?
Daí veio a resposta (Deus abençoe a Internet e as revistas científicas on line). As igrejas de Ouro Preto não foram edificadas por Roma ou, tampouco, pelas ordens religiosas católicas de padres ou de freiras. Elas foram erigidas, ornamentadas e animadas pelas comunidades locais, recebendo o nome de Ordens Terceiras ou Ordens Leigas.
Consta que, durante o Ciclo do Ouro, Portugal proibiu a vinda de ordens religiosas para a região aurífera e expulsou, das Minas Gerais, aquelas que lá estavam. Não queria desvio de Ouro ou diamantes via dízimos.
Isso incentivou que as comunidades locais se organizassem em agremiações fechadas, tais como as maçonarias. Por sua vez, esses grupos juntavam recursos privados para edificar e ornamentar as suas próprias igrejas, bem como para promover eventos anuais em homenagem aos seus respectivos padroeiros.
Aqueles que contribuíssem mais, por exemplo, adquiram a honra de ocupar túmulos dentro dos templos religiosos depois de mortos. Também podiam ocupar camarotes em missas e em festividades religiosas anuais. Tratava-se, pois, de um símbolo de status.
Como a sociedade colonial era fortemente hierarquizada, o povo "não se misturava". Os comerciantes, os artifícies, os escravos alforriados, cada grupo constituía a sua própria congregação. Como resultado, cada estamento construía o seu próprio templo religioso.
Continua.