quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Poema: Semente do Cerrado

Faz calor à tarde
Não há água no ar
Meu nariz chora sangue
E minha pele esbranquiçada descama
Mas não me queixo.

Moro no Planalto Central
Viver aqui é ser meio homem, meio calango.
Atravesso picadas no Cerrado.
E escuto a solidão dessas chapadas infinitas me gritar aos ouvidos.
A terra vermelha agarra na barra da minha calça. Mancha indelével.
Mas não me queixo.

Ipês, murunduns, caliandras e buritis enfeitam a paisagem ao meu redor
E fazem o meu caminho muito mais feliz.
Buritis, graças a Deus!
Graciliano dizia que sinalizavam os oásis do sertão...
Como bom sertanejo, sei reconhecer a milhas e milhas o perfume da terra molhada:
Perfume doce e alentador. Colo de avó.

A primeira chuva cairá como bálsamo celeste
Curando os homens, as estradas e o gado
Lavando as almas
Encherá as quaresmeiras com cigarras, as faces com sorrisos e o capim com um verde intenso
Um verde neonato, vibrante e límpido
Um verde que guarda em si a imensidão do universo.

Hoje, entretanto, a poeira ainda é farta
Cavalga rodamoinhos em volta de mim.
Mas não me queixo.
Permaneço dormente, dentro da terra
Até que o verão finalmente me convide a brotar.


Brasília/DF, 05 de Setembro de 2012.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Poema: Ogum

I.

Ogum ferreiro, meu pai
Tem sempre me abençoado
Aos sete me salvou a vida
Com a lâmina de um arado
Um talho esguio na fronte
É a marca do meu batizado

Ogum, senhor da forja
Para sempre seja louvado.



II.

Ogum guerreiro, meu pai
Em aço tem me enfeitado
Escudos, elmos e punhais
São os adornos de um soldado
Durante os tempos de paz
Para a guerra tem me aperfeiçoado

Ogum, senhor do akoró
Para sempre seja louvado.



III.

Ogum, meu pai caçador
Prefere viver isolado
Veste-se com mariô
A palmeira é seu manto sagrado
Legou-me a introspecção
O general deificado

Ogum, senhor do facão
Para sempre seja louvado.


Brasília/DF, 05 de Julho de 2012

Crônicas da Classe Média - Páscoa

Queridos amigos da internet, escutai as minhas palavras!

Ontem desci às cavernas profundas do submundo descrito por Dante! E tudo isso aconteceu no Extra Sul!

Incauta, dirigi-me àquele estabelecimento comercial à 00:30 horas, na esperança de rapidamente adquirir dois sacos de ração para meus cães (coisas do mundo rural)...

Eis que ao chegar, me deparo com um estacionamento absolutamente LOTADO. O Apocalipse recebeu o apropriado nome de "loucura na madrugada da páscoa" ou cousa parecida...

Ao adentrar o supermercado, visualizei centenas de pessoas se empurrando aqui e ali para pegarem uma televisão, uma batedeira, um computador, centenas de cuecas, de ovos de páscoa, de detergentes ou qualquer coisa que recebesse a locução "em promoção".

Era um hospício. Uma casa de loucos.

Selecionei a ração dos caninos em menos de 5 minutos. Mais 5 me foram necessários para pegar um pacote de pão de fôrma e alguns polenguinhos... Mesmo assim, só consegui sair do supermecado às 3 da madrugada.

Duas horas e meia em filas do caixa!

Essa circunstância me fez profundamente arrependida:
1) de deixar toda a ração, o fubá e a carne de segunda acabarem em minha casa;
2) de não conhecer outos supermercados 24 horas que vendam ração para cães de grande porte!

Mas a longa espera para pagar não constituiu o único fator dantesco daquela madrugada.

Nessa de colocar tudo "em promoção", deixaram de informar os preços mais baixos aos caixas e até ao próprio gerente da loja. Resultado? Todo cristão (ou pagão) que passava suas compras tinha algo a reclamar. O preço final NUNCA batia!

O ápice do pandemônio ocorreu em função do Ovo de Páscoa Ferrero Rocher. O vendedor o anunciara a R$ 19,90, sem dúvida uma pechincha... Pessoas saíam das filas do caixa para "atacarem" os tais ovos. Retornavam com dois, cinco, vinte Ferrero Rocher!

Ocorre que só um dos tipos de Ferrero Rocher estava em promoção. Os outros tinham preços normais. Ao serem informados desse acontecimento (no caixa, é claro), as pessoas começaram a reclamar e a formar uma espécie de turba: "Se não fizerem promoção, vamos quebrar tudo", soltou um mais exaltado, prontamente aplaudido...

Gritaria, histeria, três camburões da polícia... Temendo o pior, o gerente endossou os preços promocionais do Ferrero Rocher e, para sair de bonzinho, estendeu a promoção ao Alpino.

Como galinhas sobre os restos de salada, meus conterrâneos, frenéticos, embevecidos, voltaram a atacar os ovos de páscoa.

Satisfeitos, encheram seus carrinhos com chocolate suficiente para, cada um, saciar, até o enjôo (ou até o diabetes) duas creches inteiras...

Escandalizada, não pude deixar de lembrar daquele personagem do Miguel Falabella em "Sai de Baixo", o "Caco", que zombava, com enorme desprezo, dos hábitos das classes populares...

Poema: Quisera...

Quisera erguer um palácio
No fundo do Mediterrâneo
Para com Netuno
Dançar por sobre os corais!

Quisera soprar como vento
Por toda a Floresta Amazônica
Acariciando as flores
E os cabelos de Ossãe!

Quisera, como os pássaros,
Voar para outras dimensões
E, como avis rara,
Pousar nos braços de Deus!

Quisera meus cabelos
Fossem tecidos pelo seda
E trançados, e brilhantes
Chegassem ao Rio Grande do Sul!

Quisera os meus olhos
Enxergassem no escuro
E, de tão negros, os olhos
Trouxessem a noite à Terra!

Quisera ser uma rocha
No cume da Grande Muralha
Para contemplar as montanhas
E, pela eternidade, as constelações!



Brasília/DF, 17 de Janeiro de 2012.

Poema: Sur la obsession ou Da cobiça


Quero os teus seios
Quero os teus passos
Eu quero o salto dos teus sapatos

As tuas coxas
E as tuas meias
Quero teu corpo dançando nos meus braços

Os teus cabelos
E a tua beleza
Quero herdar toda a tua riqueza

O teu sorriso
E o teu desalinho
Quero ser parte do teu caminho

Os teus romances
E a tua veia
Eu quero o fogo que te incendeia

A tua colheita
E a tua história
Eu vou roubar a tua trajetória

A tua sombra
E a tua essência
Quero apagar-te todas as memórias



Brasília/DF, 17 de Janeiro de 2012.