segunda-feira, 3 de maio de 2021

Sobre as manifestações de 01 de Maio de 2021

Estudei suficientemente a história do Brasil para afirmar que o bolsonarismo era um movimento esperado. Aqui, o fascismo esteve sempre à espera de seu segundo ato, sempre esteve à espreita. Como um furúnculo interno, permanecia latente, doendo, sem mostrar exatamente onde estava.

Admitamos. Desprezo pela vida humana, banalização dos direitos individuais, adoção da "teoria do inimigo", eliminação física de opositores, uso do Estado para massacrar dissidentes, mistura entre política e facções religiosas, apelo a líderes messiânicos, formação de "esquadrões da morte" ou de outros grupos paramilitares: nenhum desses fenômenos fascistas nos é estranho ou excepcional.

Coube ao Presidente da República declaradamente admirador de torturador e apoiador de organizações paramilitares o papel histórico de trazer todo esse pus à superfície. Coube a ele transformar uma dor latente em uma ferida infecta.

E é isso. Em maio de 2021, ela está aqui, dolorida, aberta e infecta. Jorrando pus, matando gente. Ameaçando um membro do corpo de amputação ou todo o organismo de choque séptico.

Mais de 400 mil mortos. Nunca os brasileiros perderam tantos, nem para as guerras, nem para as epidemias. E no meio do caos da 2a onda de Covid-19, da falta de medicamentos para entubação, do esgotamento físico, mental e emocional dos profissionais da saúde, da carestia geral de vacinas, de EPI, de oxigênio, de vagas em UTIs, necrotérios e cemitérios, uma trupe enlouquecida se aglomera nas ruas do País para demonstrar apoio ao seu verdugo em prol de um golpe de Estado.

Fanatismo. Muita gente ainda vai morrer aqui, na nova Jonestown.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

O som dos meus pensamentos

Plim. Plim. Plim. Plim. Plim. Plim. Plim...

Toc. Toc. Toc. Toc. Toc. Toc. Toc...

Bum. Bum. Bum. Bum. Bum. Bum. Bum...

Pééém. Pééém. Pééém. Pééém. Pééém. Pééém. Pééém...


É o ritmo das palavras atravessando os meus pensamentos. Demônios em minh'alma, marimbondos em minha cabeça. Incialmente, elas são sutis, inaudíveis como gotas de água caindo sobre a louça suja dentro da pia. Depois, se apresentam como o ritmo de sapatos femininos andado resolutos e apressados nos corredores do Fórum. Em seguida, me são como um bumbo ou um tambor de guerra, marcando a marcha de um enorme Exército. Por fim, elas tomam a forma de uma buzina... Melhor. De uma multidão de buzinas atormentando os meus ouvidos e engarrafando os meus pensamentos.

É assim que me vêm as palavras.  Eu não as escrevo. Elas é que brotam por si mesmas, valendo-se da minha lapiseira. Elas nascem como uma planta daninha que se projeta ao céu, apesar do obstáculo do asfalto. Se expandem como uma trinca que arruína, aos poucos, a integridade de uma parede. Elas simplesmente vêm. São como um rio. Não. São como uma enxurrada, uma tromba d'água. 

Eu, autora, levada pela força dessas águas, entre afogada e ofegante, apenas escrevo. 

Princípio elementar de ética n.01. Bondade e justiça como busca subjetiva permanente

Ninguém está garantido, ab initio, como bom ou justo. Bondade e justiça, tal como higiene pessoal ou organização do lar, são conquistas que exigem engajamento permanente. Em outras palavras, você só é um "cidadão de bem" enquanto agir como tal.

Ou seja: você, que zomba pela internet do fuzilamento de pessoas no Rio de Janeiro, conspurca a sua alva túnica de "cidadão de bem".

Princípio elementar de ética n.02. Pessoas são recursos valiosos

A inteligência e a sensibilidade de que nós, seres humanos, somos dotados são capazes de maravilhas. Não são maravilhosos os feitos de um Pasteur, de um Beethoven, de um Oswaldo Cruz, de um Alexander von Humboldt, de um Michelângelo? Pessoas são recursos valiosos.

Obs.: Isso também vale para os seus desafetos e para as pessoas de quem você discorda.

Princípio elementar de ética n. 03. A sociedade política e o sujeito

Uma sociedade civil e/ou política que trata seus cidadãos como itens descartáveis é um agrupamento humano sem propósito. Uma horda.

Princípio elementar de ética n. 04. Crime, misericórdia e castigo

Como os infratores devem ser tratados pela sociedade civil/política? Afinal, "bandido bom é bandido morto?".

Na Cabala, a Justiça divina é representada por duas esferas (sephirot) da Árvore da Vida, quais sejam, Geburah e Chesed. Geburah é a punição, o castigo, a vingança de Deus; Chesed, a misericórdia, o perdão, o acolhimento. O justo está no meio dessas duas sephirot, que devem ser equilibradas.

Um exercício de empatia ajuda a entender como esse equilíbrio deve ser atingido... Imagine que um filho seu é vítima de um crime horrível. Qual o tratamento você gostaria que o Estado dispensasse ao criminoso?

Agora imagine que o seu filho não foi a vítima, mas o agressor, o autor desse mesmo crime. Qual tratamento você gostaria que ele recebesse do Estado?

Pois bem. As leis penais e processuais penais, ao mesmo tempo, têm que inspirar legitimidade aos pais das vítimas, que anseiam pelo castigo (Geburah) e aos pais dos criminosos, que anseiam pela misericórdia (Chesed).

Caso contrário, essas mesmas leis serão sabotadas pela vingança privada ou por conspirações para que culpados se safem dos castigos.

Princípio elementar de ética n. 05. Crime e perdão

Há vários anos venho percebendo que as igrejas, especialmente as neopentecostais (talvez para arrebanhar fiéis e contribuições financeiras) têm promovido uma verdadeira banalização do perdão.

A frase "Deus me perdoou" se tornou uma muleta para pessoas que cometeram toda sorte de crimes e de violências: estupros, homicídios, sequestros, latrocínios... Faz sentido. Afinal, se mesmo tendo matado um semelhante, "Deus me perdoou" e se "fui purificado pelo batismo", quem é você para me cobrar reparação?

A coisa ficou tão distorcida que umas e outras ovelhas do rebanho neopentecostal se sentem estimuladas a "chutar o balde". Como já estão em pecado e como o perdão divino é certo, pecam mais um pouquinho entre uma absolvição e outra. Esse mecanismo (i)moral autoriza a existência -- a priori, incompatível -- de tantos traficantes, milicianos e corruptos "evangélicos".

Em um sistema ético sério (e as religiões salvacionistas se proclamam sistemas éticos sérios), a obtenção do perdão está associada não somente ao (SINCERO) arrependimento do infrator. Ela também está associada à aceitação da punição, ao compromisso de não reincidir nos crimes e a esforços, da parte do infrator, para reparar os danos que cometeu: à vítima, à família da vítima e/ou à comunidade, em geral.

Sem isso, "conversão" é máscara. Refúgio para psicopatas. Fica a dica.