O velho combatente está bem ali, silencioso, sentado em uma poltrona cativa. Calvo, cabelos brancos, curtos e lisos lhe cobrem as têmporas e o occipital. A sua pele, muito branca, está bastante enrugada, endurecida e manchada pelo sol de muitos verões tropicais. Os seus olhos muito azuis, parcialmente esbranquiçados pela catarata, se perdem no infinito. Ele até vê as dálias do jardim, mas não lhes percebe as texturas e os diferentes tons de vinho. Ele também pode ver as crianças brincando de pega-pega, pode ouvir a algazarra das jandaias sobre o abacateiro, mas tampouco isso lhe move os sentimentos. Hoje, tal como ontem, o dia nasce, cresce e morre enquanto ele permanece estático sob o alpendre. E ele nada absorve, nada percebe. Os dias são todos iguais: o sábado, a quarta, o Carnaval, a Sexta Santa, o dia dos mortos. Tudo é uma coisa só. Em que mês estamos? De qual ano? Não importa. Para o veterano, há muito que o tempo parou de correr.
Alfredo Capra, meu tio-avô, nasceu em Mombaruzzo, pequeno vilarejo do noroeste da Itália, poucos anos antes do início da Segunda Guerra. Tal como ocorreu com a maior parte dos adolescentes italianos que lhe eram contemporâneos, fora convocado a pegar em armas para defender a Líbia, a Itália, a estirpe. Muito cedo descobriria que lutaria pela própria sobrevivência.
Para nós, que vislumbramos essa história com os olhos do século XXI, é difícil ter noção do quanto o medo e a violência transformaram essa psique. Alfredo viveu tanto tempo dançando com a morte que, quando ela finalmente se afastou, ele sentiu saudades. E passou a vida inteira tentando reencontrá-la.
Nosso tio Fredinho foi herói de guerra. Sem maiores treinamentos, realizou, de paraquedas, o perigoso salto de 300 metros de altitude; em Brunico, praticamente sozinho, explodiu uma ponte de pedras para obstar o abastecimento das tropas austro-germânicas posicionadas no Tirol; sem armas ou suprimentos, tomou de assalto um caminhão alemão e se apossou de uma metralhadora, que utilizaria, logo em seguida, para eliminar os soldados adversários; depois da façanha, mesmo estando a arma ainda muito quente, transportou-a com o irmão Teresio (nosso avô) até os demais partigiani, ao custo de ver as mãos de ambos seriamente queimadas.
Mas os movimentos internos dessa alma foram ainda muito mais radicais do que os seus feitos no mundo. O que foram todos esses atos de heroísmo, senão a manifestação do desespero, da convicção de que a vida iria acabar a qualquer momento e que, se é assim, tanto melhor morrer lutando para ser recebido em Valhalla? Quanto medo, quanto cansaço, quanta fome esse corpo sentiu? Quanto alívio e quanta decepção se sucederam ao fim da guerra, à derrota dos inimigos, ao retorno às fazendas devastadas, às minas de carvão e à fome nossa de cada dia? Quanta sensação de vida inutilmente vivida, de despropósito existencial, quanta saudade da matança o meu tio não sentiu? A guerra havia acabado, mas ele jamais sairia do front. Passaria o resto dos seus mais de oitenta anos desejando ter caído ao lado daqueles soldados alemães altos e bem vestidos, cujas vidas ceifou com a tal metralhadora roubada.